Astrud Gilberto, voz de 'Garota de Ipanema' no mundo, influenciou gerações com refinado canto cool
Morta ontem nos Estados Unidos, aos 83 anos, artista baiana deixa discografia que harmoniza músicas de compositores da bossa nova com temas autorais em percurso celebrado no universo do jazz latino.
♪ OBITUÁRIO – Ninguém poderia imaginar o que aconteceria quando Astrud Evangelina Weinert (29 de março de 1940 – 5 de junho de 2023) entrou no estúdio A&R Recording em Nova York (EUA), em 18 ou 19 de março de 1963, para gravar a versão em inglês do samba Garota de Ipanema quase ao acaso, sem ter sido avisada antes por João Gilberto (1931 – 2019).
Decorridos 50 anos, todo mundo sabe que a gravação de The girl from Ipanema – de título traduzido literalmente para o inglês na versão de Norman Gimbel (1927 – 2018) – foi o estopim que deflagrou a explosão mundial da Bossa Nova ao ser lançada em março de 1964 no álbum Getz / Gilberto.
Não é exagero dizer que Astrud – na época casada com João Gilberto, autor da ideia de confiar Garota de Ipanema ao canto da artista – foi a voz da bossa nova em escala planetária. Uma voz de emissão cool que atravessou gerações e se tornou uma das mais influentes do mundo, uma referência para ídolos juvenis da atualidade como a cantora Billie Eilish.
Como uma sucessora de Julie London (1926 – 2000), cantora norte-americana que influenciara os futuros bossa novistas com o álbum Julie is her name (1955), Astrud construiu discografia respeitada no universo do jazz latino, longe dos holofotes que abrigam celebridades, se tornando espécie de Greta Garbo (1905 – 1990) da bossa.
Contudo, de fato, nada superou o feito de ter sido dela a voz da Gravação do ano no Grammy de 1965 – 1990). É por isso que hoje todos os obituários de Astrud Gilberto vão destacar no título o fato de a cantora baiana – nascida em Salvador (BA), filha de pai alemão e mãe brasileira, e morta ontem aos 83 anos, na Filadélfia (EUA), de causa não informada pela família – ter popularizado no planeta o samba composto em 1962 por Antonio Carlos Jobim (1927 – 1994) e Vinicius de Moraes (1913 – 1980). O samba apresentado pelos autores em 2 de agosto daquele ano de 1962, no palco da boate carioca Au Bon Gourmet, na estreia de Um encontro, show histórico que reuniu Tom, Vinicius, João Gilberto e o grupo Os Cariocas.
Casada com João Gilberto de 1959 a 1964, Astrud Gilberto debutara como cantora em outro show emblemático, A noite do amor, do sorriso e da flor, evento coletivo apresentado em 1960 no anfiteatro de faculdade de arquitetura da cidade do Rio de Janeiro (RJ), berço da Bossa Nova.
A involuntária escalada internacional da cantora começou em 1963 quando Astrud migra para os Estados Unidos com João. Além de Garota de Ipanema, Astrud foi a voz mais famosa da versão em inglês de Corcovado (Antonio Carlos Jobim, 1963), escrita pelo canadense Gene Lees (1928 – 2010) , intitulada Quiet nights of quiet stars e lançada no mesmo álbum de 1964 gravado por João Gilberto com o saxofonista norte-americano de jazz Stan Getz (1927 – 1991).
Capa do álbum 'I haven't got anything better to do' (1970), de Astrud Gilberto — Foto: Reprodução
No rastro do sucesso fenomenal desse disco definidor, Astrud – indicada (sem ganhar) ao Grammy de 1965 de Revelação do ano – gravou e lançou o próprio álbum em 1965. O título The Astrud Gilberto album (1965) já indicou que, desta vez, a cantora era a protagonista, não a coadjuvante que roubara a cena de João e Getz no disco de 1964. Astrud debutou na discografia solo com álbum que somente não foi songbook de Antonio Carlos Jobim porque havia uma música de Dorival Caymmi (1914 – 2008) no repertório.
Antes de anunciar a aposentadoria do palcos em 2002, a reclusa Astrud gravara outros 16 álbuns em que também se apresentou como compositora sem nunca ter deixado da dar voz a músicas dos principais autores da bossa nova e de descendentes diretos ou indiretos como Paulo Jobim e Ronaldo Bastos.
Mesmo em escala menor, discos como I haven't got anything better to do (1970), Astrud Gilberto now (1972) e Astrud Gilberto plus James Last Orchestra (1986) contribuíram para amplificar um canto cool e elegante que angariou seguidores famosos como Sade e a já mencionada Bille Eilish.
Grandes músicos de jazz gravaram com a cantora, idolatrada no Japão. Já o Brasil pareceu ignorar o percurso de Astrud. Incluída no International Latin Musc Hall of Fame dos Estados Unidos e laureada com o prêmio Latin Jazz USA Award for Lifetime Achievement em 1992, dez anos antes de encerrar a discografia com o álbum Jungle (2002), Astrud tampouco parece ter feito questão de acenar para o Brasil.
E o fato é que, salvo em nichos que cultuam a bossa nova, a morte de Astrud Evangelina Weinert repercutirá com a descrição que parece ter pautado a trajetória artística da cantora brasileira que mais vendeu discos no mundo.
Fonte: https://g1.globo.com/pop-arte/musica/blog/mauro-ferreira/post/2023/06/06/astrud-gilberto-voz-de-garota-de-ipanema-no-mundo-influenciou-geracoes-com-o-canto-cool.ghtml